Uma jornada a Cavalo

O desenho me atingiu como uma bala disparada à queima-roupa — um tiro certeiro, direto no peito, impossível de prever ou evitar. Não houve tempo para pensar, apenas sentir. Era como se o mundo inteiro tivesse silenciado por um segundo para me dizer: é isso. Era isso o que eu tinha que fazer. Não havia mais dúvida, nem espaço para hesitação. A arte tinha me escolhido.

Comecei com uma pequena produção, um punhado de estudos, alguns traços tímidos em folhas soltas. Encomendas surgiram devagar, como quem bate na porta sem saber se pode entrar. E eu deixei. Aos poucos, percebi que algo dentro de mim — um espaço antigo, profundo, que antes era só eco — começava a se preencher. Era um vazio que eu nem sabia nomear, mas que, agora, ganhava forma, textura, sentido. Um vazio que nada, além da arte, poderia tocar.

Me pergunto hoje: como vivi tanto tempo sem isso? Como consegui sobreviver com aquele buraco escondido no peito? Talvez a resposta esteja na música. A música sempre foi meu abrigo, meu vício silencioso. Um som que me acompanhava em cada passo, que preenchia o que a vida deixava escapar. Mas o desenho… o desenho chegou como uma febre, um fogo mais intenso. Ele não apenas me preenchia — ele me movia. Ele passou a ser o maior de todos os vícios, o mais puro, o mais necessário.

E, enquanto tudo isso acontecia, algo ainda mais inesperado começou a acontecer: me aproximei do meu pai. Trouxe-o para morar mais perto, como se algo dentro de mim também quisesse recuperar o tempo perdido. Pela primeira vez, dividimos não só palavras, mas silêncio, espaço, traços. Fizemos juntos um desenho. Uma obra que, antes mesmo de ser concluída, já havia sido vendida. Era como se o universo estivesse confirmando: vocês estão no caminho certo.

Todos os dias, pela manhã, eu fazia o mesmo trajeto. Ia a pé até a casa do meu pai, com o coração cheio de uma paz nova, caminhando por ruas que de alguma forma pareciam diferentes. Não era só o destino que importava, mas o próprio caminhar. Cada passo era um reencontro, comigo mesmo, com ele, com a arte.

Chamo essa fase da minha vida de “Uma Jornada a Cavalo”. Não porque havia um cavalo de fato, mas porque tudo nela tinha o ritmo e o espírito de uma travessia ancestral. Era como se eu estivesse percorrendo um caminho sagrado, lento e constante, redescobrindo pedaços de mim a cada manhã. Um ciclo de renascimento diário, onde o desenho, a música, a família e o tempo finalmente andavam juntos.

O cavalo

1 comentário em “Uma jornada a Cavalo”

  1. Que história emocionante. Ao ler seu texto, pude reviver sentimentos que afloraram em meu ser aquecendo meu coração. Não pare. Só siga em frente com sua luz que abre tantos e tão belos caminhos.

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