Meu processo criativo envolve, claro, muita música e pesquisa. São os dois pontos de partida mais constantes e, talvez, os únicos elementos que realmente se repetem em tudo o que eu crio. Nunca sei se existe, de fato, um padrão — e, para ser sincero, não sei se quero que exista. Gosto da liberdade de começar cada nova obra como se fosse a primeira, sem fórmulas fixas, sem compromissos com um método.
A música, no entanto, está sempre presente. Mesmo quando não há nenhuma tocando no ambiente, há uma trilha sonora constante dentro da minha cabeça. Melodias que surgem espontaneamente, às vezes conhecidas, outras inventadas ali na hora. Ainda bem que são músicas e não vozes — já pensou?
Sempre que me perguntam por que troquei a música pela pintura, eu costumo responder com sinceridade: eu não troquei. Eu transformei. Comecei a ouvir ainda mais música depois que voltei a pintar. Curiosamente, a ausência da prática musical direta me aproximou ainda mais do som.
Foi uma mudança de meio, não de essência. Troquei o tom das notas pelos tons das cores. Hoje, além de ouvir, eu vejo. Além de escutar, eu observo e absorvo.

A pintura se tornou uma forma de sinestesia pra mim — uma mistura sensorial em que som, imagem e sentimento se fundem. Então, não foi uma troca no sentido de substituição. Foi um ganho, um acréscimo, uma expansão da linguagem. Acho que tenho uma certa dificuldade em compartimentar as coisas. Na minha cabeça, tudo se mistura. E eu aprendi a abraçar essa mistura.
Meu processo, na prática, começa com um certo ritual. Preparo a tela, separo os pincéis, escolho as referências que me alimentam naquele momento, monto a paleta de cores… Às vezes sento, às vezes fico em pé. Depende da energia do dia, da música, do que o corpo pede. E aí começa: algumas manchas, talvez algumas linhas. Não sigo sempre a mesma ordem, tudo depende da técnica que pretendo aplicar. E isso muda a cada novo projeto. Decido isso ali, no instante do fazer.

Procuro resolver cada elemento com poucas pinceladas, mas com muita intenção. Gesto e tinta, corpo e matéria. Tento deixar que o instinto tenha tanto espaço quanto o controle.
Gosto de conversar com outros artistas e, em quase toda conversa, faço a mesma pergunta: como você sabe quando a obra está pronta? A maioria não sabe. Dizem que simplesmente param. E, depois, vêm a inquietação, a dúvida, aquela sensação de que talvez ainda faltasse algo — ou que tenha passado do ponto. Nem sempre a técnica resolve isso.
Eu entendo bem esse sentimento. Também passei anos tentando encontrar uma resposta para essa pergunta. Hoje, minha solução é mais simples — ou pelo menos mais direta: eu paro quando começo a enxergar o resultado. Não quando ele está “pronto” no sentido técnico, mas quando ele começa a se revelar pra mim. Quando a imagem passa a conversar comigo de volta. Tento não me apegar a detalhes, nem buscar uma perfeição impossível. Linhas retas demais, sombras projetadas demais — nada disso me interessa tanto quanto a expressividade.
Quando sinto que estou tentando “corrigir” demais, é hora de parar. E eu paro. E pronto.
Isso tem funcionado pra mim. Mas mesmo assim, algumas telas eu prefiro esquecer. Não porque me desagradem completamente, mas porque revisitar demais pode gerar um tipo de desconexão. Às vezes, olhar demais me distancia do que senti enquanto criava. Prefiro deixá-las viver por conta própria, longe dos meus olhos por um tempo.
Tem sido uma forma mais leve de lidar com o processo, com os erros e acertos, com o inacabado e o imprevisto. A pintura, pra mim, hoje, é mais sobre presença do que sobre precisão.
E pra você? Como funciona esse processo entre o fazer e o deixar ir?
Buscar a leveza nos processos criativos pode ser mesmo o melhor caminho. Tá aí. Gostei. Vou buscar isso também.