Uma vez, conversando com um amigo artista, ele me disse algo que, na época, me pareceu excessivamente simplista: que, para ele, a pintura se resumia a “Gesto e Cor”. Confesso que, naquele momento, não concordei. Achei que aquilo soava mais como uma frase de efeito ou até mesmo um pensamento filosófico meio vago do que como uma real abordagem técnica ou crítica. Mas o tempo passou, minha relação com a pintura amadureceu, e hoje começo a compreender, de forma muito mais profunda, o que ele queria dizer.
Na essência, aquele pensamento continha uma verdade simples, mas poderosa. Talvez seja justamente essa simplicidade que o torna tão valioso para quem realmente vive a pintura — para quem se entrega ao processo, suja as mãos de tinta e escuta o que a tela tem a dizer. Com o tempo, percebi que, aos olhos de um verdadeiro amante da arte, ou mesmo de um especialista, esse tipo de compreensão faz toda a diferença. É um saber que não se aprende apenas em livros, mas se desenvolve através do fazer, da observação sensível, da escuta silenciosa da imagem em construção.
Demorei a entender essa teoria — ou melhor, essa forma de ver a pintura. Para mim, ainda soa mais como uma filosofia do que como uma técnica. Mas, independentemente da classificação, ela passou a fazer muito sentido. O gesto, esse movimento espontâneo e ao mesmo tempo intencional do pincel sobre a tela, carrega uma energia única. Ele revela o ritmo, o pulso, a emoção do momento. A cor, por sua vez, tem uma força expressiva imensa — ela é sentimento em estado bruto, vibração pura. Juntas, essas duas dimensões — gesto e cor — tornam-se uma espécie de linguagem primal da pintura, uma forma de comunicação que antecede qualquer discurso racional.
Lembro de uma vez em que um colecionador, também especialista em arte, observou uma obra minha e comentou que se tratava de uma pintura com “boa fatura”. Aquilo me intrigou. “Fatura?”, pensei. Não entendi o termo naquele instante, então, como muitos fazem, recorri ao Google. Descobri que ele se referia à qualidade do acabamento, à maneira como a pintura foi executada — e, principalmente, à expressividade das pinceladas, à segurança do gesto e à harmonia das cores utilizadas.

Ele elogiou as pinceladas, dizendo que eram gestuais e expressivas, e destacou a escolha da paleta, que considerou bem equilibrada e sensível. E lá estavam novamente os dois elementos que meu amigo havia citado tempos atrás: Gesto e Cor. Aquilo me fez pensar bastante. Não é que ele tinha razão? Desde então, essa ideia ficou comigo. Ela me acompanha em cada nova tela, em cada estudo, em cada tentativa de explorar mais profundamente o que a pintura pode dizer.
Hoje, acredito que não existe maneira mais sincera e direta de expressão artística na pintura do que o movimento das pinceladas aliado à força emocional das cores. O gesto revela o artista — sua energia, seu estado de espírito, sua relação com o instante criativo. A cor, por sua vez, dá corpo e alma à obra, transmite emoção, cria atmosferas, fala com o olhar de quem vê.
Sigo sempre tentando aprimorar meu gesto e fazer escolhas cada vez mais conscientes para a paleta. Porque entendi que, quando a técnica se alia à intenção, e quando o olhar se abre para o essencial, a pintura começa a ganhar vida própria. E talvez, no fundo, seja isso que todos nós buscamos como artistas: dar vida àquilo que, por dentro, pulsa silenciosamente e quer existir sobre a tela.