É a Luz Que Nos Move?

A poesia, a música, uma boa conversa entre amigos, uma lembrança que aquece o peito ou um sonho que ainda pulsa — tudo isso pode ser um pontinho de luz em nossas vidas. São fagulhas que acendem nossa alma em meio à escuridão cotidiana. Às vezes, nem percebemos, mas esse brilho sutil, quase imperceptível, é o que nos sustenta. Amigos, família, encontros, arte, silêncio. Quando entendemos que a escuridão faz parte do caminho, passamos a valorizar cada centelha de luz que se apresenta.

A luz, afinal, não existe sem a sombra. E vice-versa. Um revela o outro.

O sol é sol mesmo na escuridão. Ele continua a brilhar mesmo quando não o vemos — e isso é profundamente simbólico. Na pintura, o sol pode ser representado como um ponto dourado no horizonte, mas é também a força invisível por trás das sombras projetadas, das luzes refletidas, dos contornos revelados. Pictoricamente, o ponto mais forte da luz numa tela pode ser o branco puro, limpo, sem mistura. O branco do papel, deixado intocado, é o ápice da iluminação no desenho — e, curiosamente, o espaço vazio que tudo revela.

O brilho dos olhos numa figura humana, o reflexo delicado da luz na superfície de uma marina tranquila, a centelha dourada que dança na borda de uma taça de vinho numa composição de natureza morta — tudo é luz. Luz que modela, que expressa, que traduz emoções. Luz que, em sua aparente simplicidade, carrega a complexidade do mundo.

E então vem aquela hora do dia em que o outono se deita sobre a vegetação. A luz muda. Ela não grita, apenas sussurra. Aquele dourado suave que escorre pelas folhas, como uma seda que desce preguiçosa pelos cabelos de uma musa adormecida. Um toque que não se vê, mas se sente. É ali que reside uma beleza quase etérea, como se a própria natureza decidisse, por um breve momento, se vestir de ouro.

Há também a intensidade vibrante do verão europeu, quando o frescor de uma paisagem nos invade com cores saturadas, verdes vivos, reflexos quase cegantes. Ou o brilho controlado do metal envelhecido de um jarro de bronze, com sua pele marcada pelo tempo, esverdeada como a sodalita — aquela pedra misteriosa, densa e azul, que parece guardar o segredo do oceano em suas entranhas.

A luz me encanta, mas o que me intriga mesmo é o jogo entre o que se mostra e o que se esconde. Você já reparou na lua durante o dia? Discreta, quase tímida, paira no céu azul como quem não quer competir. Mas ela está lá, com o mesmo brilho que terá à noite. O que muda não é a lua — é o pano de fundo. A intensidade do seu brilho só se revela plenamente quando tudo ao redor escurece. E isso me faz pensar: o brilho só ganha sentido diante da escuridão.

Às vezes, na arte — e na vida — não é preciso iluminar diretamente o que queremos destacar. Basta escurecer o entorno. É o contraste que direciona o olhar. É a sombra que molda a forma. É a ausência de luz que revela sua presença. Iluminar, portanto, pode ser um ato sutil. Pode ser silêncio. Pode ser ausência.

É preciso aprender a dar atenção ao que realmente importa. Na pintura, no desenho, na composição de uma obra, o olhar do artista é guiado por escolhas. Onde repousa a luz? Onde se esconde a sombra? Essas decisões não são apenas técnicas — são existenciais. Elas refletem nossa maneira de ver o mundo, de sentir, de lembrar, de esperar.

Luz é revelação. Sombra é mistério. Uma não existe sem a outra. E talvez a vida seja exatamente isso: um quadro onde aprendemos, dia após dia, a equilibrar os dois.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima
× Vamos conversar?