Os livros que mais me tocam, quase sempre, falam dela. A Musa. Aquela que sussurra ideias ao pé do ouvido, que acende um brilho no olhar e que nos empurra, com delicadeza ou furor, para dentro do processo criativo. Ela é minha companhia constante — mesmo quando não percebo. Não é raro que ela surja quando estou distraído, ocupado com as urgências do cotidiano, mergulhado em contas, tarefas, compromissos. Nessas horas, sua presença é um sopro leve, mas certeiro. Um estalo. Um silêncio cheio de sentido.
Gosto quando ela chega. Gosto mesmo quando vem sem ser chamada. Ela nunca me atrapalha. Pelo contrário: a Musa me organiza por dentro. Ela é o eixo que gira o mundo da minha inspiração. Às vezes, ela se insinua pela fumaça do café da manhã, num ritual simples que começa com uma oração e uma pausa para refletir. Esse momento, que virou hábito, tem algo de sagrado. É como se, ao abrir o dia, eu também abrisse espaço para ela se manifestar.
Mas nem sempre é fácil. Há dias em que preciso invocá-la com insistência. A Musa, por vezes, se mostra arisca, tímida, teimosa. Finjo que não me importo, mas espero. E quase sempre ela aparece. Porque, no fundo, sei que ela nunca me abandona. Está em mim, mesmo quando se esconde. Basta lembrar do seu sorriso — o sorriso que imagino que ela dá quando cumpre sua missão — e já me sinto inspirado.
A Musa tem mil formas, mil nomes. Em certos dias, ela se parece com um beijo da minha esposa. Em outros, é uma imagem que surge inesperadamente, uma memória, uma música que toca no rádio, uma conversa com um estranho. Pode ser o vento no rosto ou um fragmento de poesia rabiscado no verso de um envelope. Não importa como venha: ela sempre carrega algo de essencial.
Cada pessoa tem sua forma de chamá-la. Uns a encontram no silêncio, outros no caos. Uns a confundem com a própria ansiedade de criar, e tantos outros nem sabem que ela está ali, esperando ser reconhecida. Mas todos, em algum nível, a têm por perto. Porque a Musa é, na verdade, uma força interna, uma centelha que pede para ser acolhida.
Você conhece essa sensação: aquela vontade ardente de criar, de escrever, de pintar… mas que não se concretiza. Você quer começar, mas algo invisível te prende. Sente o impulso, mas não age. É aí que entra ela. Chame-a.
Steven Pressfield tem uma frase que nunca me esqueço: “Difícil não é escrever. Difícil é sentar para escrever.” E ele tem razão. A batalha maior é com o início, com o ritual de presença. Mas, uma vez que estou ali, pincel na mão ou dedos sobre o teclado, com a Musa ao meu lado, difícil mesmo é me tirar da cadeira.
Ela é minha companheira de jornada. Silenciosa, paciente, amorosa e, às vezes, feroz. É ela quem me sustenta nas horas em que tudo parece incerto. É com ela que descubro, todos os dias, que a arte não é sobre produzir, mas sobre estar disponível. Estar entregue. Estar inteiro.
A Musa mora onde mora a coragem de tentar.