A Lição da Aquarela

A lição da aquarela

Pintar com aquarela é um exercício de desapego. Uma técnica que, ao contrário do óleo, exige que a gente se renda ao imprevisto. No óleo, é possível planejar cada passo: a mancha desejada, a espessura da pincelada, a textura final. Podemos cobrir, retocar, recomeçar. É como caminhar com o mapa na mão. Já na aquarela, o caminho se desenha sozinho, e o melhor que podemos fazer é acompanhar. Você até pode tentar controlar aqui e ali, contornar um acidente com um pouco menos de água ou um papel mais absorvente. Mas, na maioria das vezes, é inútil. Quando a tinta decide escorrer, ela vai escorrer. Quando decide se expandir como uma couve-flor colorida no papel, vai fazer isso com ou sem sua permissão.

A aquarela nos ensina uma das maiores lições da vida: focar no que está ao nosso alcance e deixar o restante seguir seu curso. Está chovendo? Deixa chover. A tinta espalhou para onde você não queria? Observe o que nasceu disso. Talvez ali esteja o ponto alto da sua pintura — e do seu dia. É libertador entender que não há erro onde não há controle. Que beleza há nos imprevistos, que vida existe no que escapa às réguas e aos rascunhos.

Lembro bem da minha primeira experiência com aquarela. Estava tão preocupado em não errar, em preservar cada centímetro do papel (caro, diga-se de passagem), que quase não usei água. A tinta mal se movia. O resultado? Uma pintura bonita, sim, mas sem alma. Sem vibração. Sem verdade. Podia facilmente dizer que era uma pintura a óleo — e isso, naquele contexto, foi quase uma derrota. Faltava coragem de deixar a água agir. Faltava entrega.

Com o tempo, entendi que o charme da aquarela está justamente no que ela faz sozinha, sem pedir licença. A tinta escorre, se mistura, forma manchas inesperadas, contornos imprevisíveis. Comecei a me apaixonar pelos borrões, pelas falhas, pelas gotículas coloridas que, agora sim, jogo de propósito no papel. O que antes era erro, virou gesto. Virou expressão. Virou parte essencial da composição.

Pintar em aquarela é como dançar com a água. A gente propõe um passo, ela responde com outro. E assim seguimos, em harmonia. Às vezes com delicadeza, outras com explosão. Há dias em que ela colabora, outros em que desafia. E, ainda assim, a pintura se faz. Sempre.

Se você quer começar bem o dia, olhe para uma obra de arte. Mas se quiser um dia ainda melhor, mergulhe numa aquarela. Ela é divertida, leve, colorida. Nos faz rir dos acidentes e admirar a beleza das imperfeições. Nos ensina a soltar o controle — e, quem diria, ser mais feliz.

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