Cores ou Valores?

É possível realizar uma obra utilizando apenas uma cor? Sim, sem dúvida alguma.

A monocromia, muitas vezes subestimada, é uma linguagem rica e poderosa nas artes visuais. Um exemplo clássico disso é o desenho a grafite, onde empregamos apenas uma cor — o cinza do grafite — e, ainda assim, conseguimos transmitir profundidade, forma, textura e emoção. Como isso é possível? A resposta está nos valores tonais, ou seja, nos diferentes tons de claro e escuro que conseguimos extrair de um mesmo material.

No papel, esse princípio se torna especialmente evidente. Ao pressionar o lápis com mais força, obtemos um tom mais escuro e denso; ao tocá-lo com mais suavidade, surgem os tons mais claros e leves. Assim, com variações de pressão e controle do gesto, construímos uma imagem completa. É quase mágica — mas uma mágica aprendida com técnica, paciência e, sobretudo, observação.

Para alcançar resultados realmente impactantes, seja no desenho ou na pintura, é preciso treinar o olhar. Observar profundamente é um exercício contínuo. Quando estamos diante de um objeto real, o primeiro impulso pode ser desenhá-lo rapidamente, mas é necessário resistir à pressa. Antes de qualquer traço, é essencial contemplar. Observar as nuances das sombras, os reflexos sutis, a forma como a luz escorrega pelas superfícies. E, se estivermos trabalhando com cor, esse olhar deve ser ainda mais atento às variações cromáticas que se escondem até mesmo nas áreas aparentemente neutras.

Quando adotamos uma técnica monocromática — seja com grafite, carvão, tinta a óleo, acrílica ou nanquim — passamos a depender unicamente dos valores para estruturar a imagem. E é aí que a verdadeira alquimia acontece. Luzes, sombras e meios-tons formam o alicerce de toda a composição. O equilíbrio entre força e leveza no gesto, o domínio das transições tonais e o olhar sensível para captar essas variações se tornam essenciais.

No caso da pintura com tinta à base de solvente, por exemplo, há um recurso interessante: é possível criar áreas de luz não apenas adicionando branco, mas também removendo tinta. Um simples pano, passado com precisão sobre a tela ainda úmida, pode revelar um destaque brilhante. Essa subtração controlada é tão expressiva quanto qualquer adição de cor.

Refletindo sobre todo esse processo, chego à conclusão de que os valores tonais são, muitas vezes, mais importantes do que as cores em si. As cores são sedutoras, vibrantes, emocionantes — mas sem o suporte estrutural dos valores, podem se tornar confusas ou até irrelevantes. É o valor que define a forma, que cria a ilusão de volume e profundidade, que guia o olhar do observador por entre os elementos da obra.

Portanto, estudar e dominar os valores é um passo essencial para qualquer artista visual. Não importa se você trabalha com carvão, grafite, tinta a óleo ou aquarela — o domínio dos valores tonais é o que transforma um desenho simples em algo que respira e pulsa diante de nossos olhos. Cores encantam, mas os valores constroem.

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