Luz e Sombra

Quando descobri isso, minha vida mudou.

Desde muito jovem, desenhar sempre foi algo natural para mim. Nunca precisei de instruções formais para começar — eu apenas pegava um lápis e deixava a mão seguir o que os olhos e a mente imaginavam. Era puro instinto, uma expressão intuitiva. Mesmo assim, cheguei a realizar alguns trabalhos profissionais, mesmo sendo completamente autodidata. O desenho, para mim, era uma forma de estar no mundo, de entender e traduzir o que eu via.

Mas foi só quando fiz meu primeiro curso de desenho que as coisas começaram a se transformar de verdade. Aquela experiência foi como abrir uma porta para um universo completamente novo. Aprendi algo que mudou não só meu modo de desenhar, mas também a maneira como eu via a realidade: a importância da luz e da sombra.

Naquele momento, percebi que desenhar não era apenas representar formas, mas revelar contrastes. Luz e sombra deixaram de ser detalhes — tornaram-se protagonistas. Essa percepção foi tão poderosa que me fez perder o medo de colocar o lápis no papel. E, mais importante ainda, de tirá-lo. Aprendi que o traço não precisa ser perfeito, ele precisa ser verdadeiro. Essa liberdade criativa me levou a resultados que eu jamais imaginaria alcançar.

A mudança não foi apenas técnica. Ela foi perceptiva. Meu olhar se transformou por completo. Comecei a ver o mundo de outro jeito — enxergando tudo em luz e sombra. Era uma espécie de loucura boa. Onde quer que eu estivesse, analisava as formas, os contrastes, os volumes. Muitas vezes, desenhava com os olhos, apenas observando. E quase sempre me pegava pensando: “Por que não trouxe um lápis e um papel comigo?”

Na verdade, era só isso que eu precisava: um meio para me expressar. O desenho passou a ser minha linguagem mais honesta, mais instintiva, mais íntima.

Mesmo quando a vida me afastou temporariamente desse universo — como acontece com muitos de nós, que somos levados por outras demandas, obrigações, caminhos profissionais — esse olhar nunca me abandonou. Permaneci atento. Continuava percebendo paisagens, rostos, objetos, cenas cotidianas com aquela mesma sensibilidade.

E foi justamente essa percepção que me levou a outros caminhos criativos. Comecei a trabalhar em uma emissora de televisão, onde pude explorar outras linguagens visuais. Paralelamente, também me aventurei como fotógrafo freelancer. A fotografia, assim como o desenho, me permitia capturar o instante, enquadrar a emoção, contar uma história.

Anos depois, quando finalmente retomei o desenho, percebi que algo mágico havia acontecido: eu havia encontrado um ponto de convergência entre essas duas artes. Comecei a desenhar com o olhar do fotógrafo e a fotografar com a sensibilidade do desenhista. Era como se uma arte completasse a outra, uma alimentando e refinando o olhar da outra.

Hoje, esse é o meu processo criativo. Eu fotografo como se estivesse pintando, e pinto como se estivesse fotografando. Uso o desenho para capturar a essência das imagens e a fotografia para registrar a poesia da luz. É assim que eu me expresso.

O mais incrível de tudo isso é perceber que o desenho nunca deixou de estar presente em mim. Mesmo nos momentos de pausa, mesmo quando o lápis ficou de lado, o olhar permaneceu atento. E, no fundo, é isso que me move: a busca constante por ver além do óbvio, por traduzir o mundo em linhas, luzes e sombras.

Se tem algo que aprendi nessa jornada, é que desenhar vai muito além da técnica. É uma forma de enxergar. E quando você aprende a ver o mundo sob a lente da arte, ele nunca mais é o mesmo.

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